GRANDE JOÃO RUBINATO*
Era um período entre o final da década de 50 e o início da década de 60.
Ainda não havia televisão em Salvador e o rádio era o grande meio de comunicação e entretenimento. A famosa "Era do Rádio".
O advento do long-playing permitiu que as ondas do rádio transmitissem, além do samba, muita rumba, bolero, samba-canção e marchinha de carnaval.
As vozes de Francisco Alves, Mario Reis,Orlando Silva, Ângela Maria, Cauby Peixoto, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba, Aracy de Almeida, Carmem Miranda, Elizeth Cardoso, Dick Farney, Dircinha e Linda Batista, Doris Monteiro, Nelson Gonçalves e muitos outros, interpretavam composições de Antonio Maria, Lupiscínio Rodrigues, Dorival Caimmy, Adelino Moreira, Herivelto Martins, Ataulfo Alves, Noel Rosa, David Nasser. A trilha sonora ia dos trágicos como Vingança, de Lupiscínio Rodrigues, aos desesperados como Ninguém me Ama, de Antonio Maria, passando pelo descompromisso de Sassaricando e pela sensualidade de Mulata Assanhada.
Eu, criança, e o rádio lá de casa sempre ligados. Ambos. Gostava de algumas músicas, principalmente das mais animadas, como General da Banda, por exemplo, e daquelas mais sensivonas, como Luar do Sertão.
Porém, de verdade verdadeira, a música ainda não me tocava (sem trocadilho). Aqueles dramas de amores incompreendidos, de traições e desprezos não me diziam muita coisa. Gostava de música, sim. Gostava que o rádio estivesse sempre ligado e achava que a casa ficava meio tristonha quando ele se calava. Mas era como se o rádio fizesse parte da paisagem e as músicas fossem a trilha sonora dessa paisagem, tipo fundo musical.
Um dia, entretanto, escutei uma voz roufenha, quase desagradável, cantando em português errado uma coisa assim:
"Se o senhor não tá lembrado / Dá licença deu contar / Que aqui onde agora está esse adíficio arto, era uma casa véia, um palacete assobradado / Foi aqui seu moço que eu Mato Grosso e o Joca, construimos nossa maloca..."
Pirei. Quem é esse cara? Ninguém em casa sabia o nome dele, e eu na maior curiosidade. Sabe aquela história meio xarope de Caetano com Gil, quando Dona Canô chamava:"Caetano vem ver o preto que você gosta?"... Pois Dona Mariinha me chamava onde eu estivesse: "Ari, venha ouvir aquela música que você gosta". E eu ia. Sentava numa cadeira de balanço que ficava em frente ao rádio e me deliciava com a música do cara que eu ainda não sabia o nome, mas já sabia a letra toda de cor e salteado:
"E hoje nois pega paia, nas grama do jardim / E pra esquecer nós cantemos assim: Saudosa maloca, maloca querida, / din din donde nos passemos os mais feliz de nossas vidas
Saudosa maloca, maloca querida, din din donde nos passemos os mais feliz de nossas vidas."
"din din donde", então, eu achava demais!
Cara maluco, esse aí. Só descobri o nome dele com uma outra música também sensacional, que falava assim:
...E hoje ela vive lá no céu / E ela vive / Bem juntinho de Nosso Senhor / De lembranças / Guardo somente suas meias / E seus sapatos / Iracema eu perdi o seu retrato".
É Adoniran Barbosa. Nome esquisito, Adoniran... Nome de maluco.
A noiva do cara morre atropelada e ele perde o retrato da coitada, ficando somente
com as meias e os sapatos. Vinha-me à mente a imagem do quarto dele semelhante à sala dos ex-votos da Igreja do Bonfim.
Cara doido, esse tal de Adoniran. E, no final, ainda declamava:
"Iracema, faltava vinte dias para o nosso casamento/ Você atravessou a São João
Veio um carro e te pincha no chão
Você foi pra assistência, Iracema
O chofer não teve culpa Iracema.
Paciência, paciência."
E isso dito pra noivinha morta atropelada: "Paciência, paciência". Demais!
Passado algum tempo, Adoniran já não tocava mais nas rádios.
Surgiu o fenômeno das FM's e a música americana tomou conta da programação.
Adoniran Barbosa foi, para mim, um bálsamo em meio àquela dramalheira careta dos sambas-canção e dos bolerões daquela época.
Um sábio curtidor: "pra escrever uma boa letra de samba, a gente tem que ser, em primeiro lugar, anarfabeto".
Soube ser gauche na vida.
Meu primeiro ídolo.
* Nome de batismo de Adoniran Barbosa
Ainda não havia televisão em Salvador e o rádio era o grande meio de comunicação e entretenimento. A famosa "Era do Rádio".
O advento do long-playing permitiu que as ondas do rádio transmitissem, além do samba, muita rumba, bolero, samba-canção e marchinha de carnaval.
As vozes de Francisco Alves, Mario Reis,Orlando Silva, Ângela Maria, Cauby Peixoto, Dalva de Oliveira, Emilinha Borba, Aracy de Almeida, Carmem Miranda, Elizeth Cardoso, Dick Farney, Dircinha e Linda Batista, Doris Monteiro, Nelson Gonçalves e muitos outros, interpretavam composições de Antonio Maria, Lupiscínio Rodrigues, Dorival Caimmy, Adelino Moreira, Herivelto Martins, Ataulfo Alves, Noel Rosa, David Nasser. A trilha sonora ia dos trágicos como Vingança, de Lupiscínio Rodrigues, aos desesperados como Ninguém me Ama, de Antonio Maria, passando pelo descompromisso de Sassaricando e pela sensualidade de Mulata Assanhada.
Eu, criança, e o rádio lá de casa sempre ligados. Ambos. Gostava de algumas músicas, principalmente das mais animadas, como General da Banda, por exemplo, e daquelas mais sensivonas, como Luar do Sertão.
Porém, de verdade verdadeira, a música ainda não me tocava (sem trocadilho). Aqueles dramas de amores incompreendidos, de traições e desprezos não me diziam muita coisa. Gostava de música, sim. Gostava que o rádio estivesse sempre ligado e achava que a casa ficava meio tristonha quando ele se calava. Mas era como se o rádio fizesse parte da paisagem e as músicas fossem a trilha sonora dessa paisagem, tipo fundo musical.

Um dia, entretanto, escutei uma voz roufenha, quase desagradável, cantando em português errado uma coisa assim:
"Se o senhor não tá lembrado / Dá licença deu contar / Que aqui onde agora está esse adíficio arto, era uma casa véia, um palacete assobradado / Foi aqui seu moço que eu Mato Grosso e o Joca, construimos nossa maloca..."
Pirei. Quem é esse cara? Ninguém em casa sabia o nome dele, e eu na maior curiosidade. Sabe aquela história meio xarope de Caetano com Gil, quando Dona Canô chamava:"Caetano vem ver o preto que você gosta?"... Pois Dona Mariinha me chamava onde eu estivesse: "Ari, venha ouvir aquela música que você gosta". E eu ia. Sentava numa cadeira de balanço que ficava em frente ao rádio e me deliciava com a música do cara que eu ainda não sabia o nome, mas já sabia a letra toda de cor e salteado:
"E hoje nois pega paia, nas grama do jardim / E pra esquecer nós cantemos assim: Saudosa maloca, maloca querida, / din din donde nos passemos os mais feliz de nossas vidas
Saudosa maloca, maloca querida, din din donde nos passemos os mais feliz de nossas vidas."
"din din donde", então, eu achava demais!
Cara maluco, esse aí. Só descobri o nome dele com uma outra música também sensacional, que falava assim:
...E hoje ela vive lá no céu / E ela vive / Bem juntinho de Nosso Senhor / De lembranças / Guardo somente suas meias / E seus sapatos / Iracema eu perdi o seu retrato".
É Adoniran Barbosa. Nome esquisito, Adoniran... Nome de maluco.
A noiva do cara morre atropelada e ele perde o retrato da coitada, ficando somente
com as meias e os sapatos. Vinha-me à mente a imagem do quarto dele semelhante à sala dos ex-votos da Igreja do Bonfim.
Cara doido, esse tal de Adoniran. E, no final, ainda declamava:
"Iracema, faltava vinte dias para o nosso casamento/ Você atravessou a São João
Veio um carro e te pincha no chão
Você foi pra assistência, Iracema
O chofer não teve culpa Iracema.
Paciência, paciência."
E isso dito pra noivinha morta atropelada: "Paciência, paciência". Demais!
Passado algum tempo, Adoniran já não tocava mais nas rádios.
Surgiu o fenômeno das FM's e a música americana tomou conta da programação.
Adoniran Barbosa foi, para mim, um bálsamo em meio àquela dramalheira careta dos sambas-canção e dos bolerões daquela época.
Um sábio curtidor: "pra escrever uma boa letra de samba, a gente tem que ser, em primeiro lugar, anarfabeto".
Soube ser gauche na vida.
Meu primeiro ídolo.
* Nome de batismo de Adoniran Barbosa
5 Comentários:
JÚNIOR!!!!!!!ACODE AQUI!!!!!
Diz que Júnior está no SPA.Vê se pode?
Cobre com o cursor que dá pra ler.
"Inês saiu dizendo que ia comprar pavio pro lampião
pode me esperar mané que eu já volto já
(...)
encontrei um papé escrito assim pode apagar o fogo mané
que eu não volto mais"
Essa também é boa, eim Ary?
Beijo de Maria
Essa tb é bacana, Maria. E muitas mais.
Olha aí, o Júnior voltou do SPA em plena forma. Repaginado e reeditado.
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