GRANDE FARUK
Tem um filme muito interessante, da diretora dinamarquesa Susanne Bier que chama "Coisas que Perdemos Pelo Caminho", e que trata da dor causada pelas inevitáveis perdas durante a nossa existência.
Perdemos e, claro, ganhamos também. Quase nunca na mesma medida.
No último sábado, eu perdi um dos meus cachorros, um labrador preto que atendia pelo nome de Faruk e pela alcunha de "Negão".
Foi de repente, já que, aparentemente, ele parecia bem. Alegre, feliz e despirocado como sempre. Mas uma insuficiência renal já estava em curso há algum tempo.
Faruk foi uma espécie de intruso porque eu comprei um labrador cor de chocolate, o Boris. Mas, minha filha Juliana se apaixonou pelo "Negão" e terminou por me convencer a trazê-lo também.
Eles eram filhos da mesma ninhada. Um chocolate e um preto. Um lorde e um plebeu.
Boris é um animal sério e compenetrado, atento às expectativas dos seus donos e sempre aprendeu as coisas com uma rapidez incrível.
Já Farukão era um hedonista completo. Não media conseqüências para satisfazer as suas vontades.
Ele era, como diziam os antigos, "uma casa cheia". A todos festejava e logo se tornava primo carnal. Se algum operário estivesse trabalhando aqui em casa, ele prestava a maior assessoria não desgrudando do cara.
Se eu saísse cinqüenta vezes ao jardim, cinqüenta vezes ele cumpria o mesmo ritual: buscava correndo alguma coisa (nem que fosse uma folha seca) para trazer pra mim e ficava me rodeando e se requebrando todo. Eu o chamava de "Zé Bobão" e dizia que o endereço dele na internet era cachorrochato.com.br.
Nada conseguia tirar a sua alegria de viver. O "Negão" não tinha um pingo de vergonha na cara.
Atrapalhado, atabalhoado, intenso, feliz, bobo, chato, amoroso e amigão, assim era o meu cachorro "intruso" que, por essas características mesmas, conquistava a todos que o conheciam.
Estamos todos com muitas saudades e a casa está muito vazia sem ele.
Consola-nos a certeza de que, enquanto viveu, meu cachorro chato foi muito feliz.